segunda-feira, 6 de maio de 2013

Anestesia para ficar doidona


Estava no consultório do meu obstetra combinando os detalhes do futuro parto do meu filho (isso no século passado, 1999). Só o que eu pedia para o doutor era que fosse com anestesia. Tudo bem que fosse parto normal, que pelo próprio nome sugere que deveria ser mais tranquilo.

Aceitei o tal de parto normal, contanto que ele viesse precedido da anestesia. De que tipo? Não sei! De preferência do tipo que dorme e já acorda com o nenê nos braços.

Detalhando mais o sonho, que ele já estivesse mamando na mais perfeita paz (o que me pouparia dias posteriores de sofrimento). Mas não foi assim que se deu. O bebê era apressadinho e foi logo saindo sem deixar tempo para eu experimentar, nesta minha primeira chance, o poder da anestesia.

Anos depois (em 2010), para resolver o probleminha do CA de mama (CA é o apelido do câncer, mas só para os íntimos) é que tive a oportunidade de desfrutar da “viagem” anestésica.

Até agora já se foram algumas tantas que nem saberia relatar cada uma delas com precisão. Melhor fazer um medley digno dos melhores DJs, apenas interrompido por mixagens abruptas de histórias entrecortadas.

Uma das constantes que já percebi nos meus procedimentos cirúrgicos é o ânimo das equipes. Nada de expressões acabrunhadas ou quebrantadas. Eles comentam assuntos diversos do dia a dia, de forma vigorosa, enquanto cutucam vários pedaços do meu corpinho. Um desses mascarados, o meu preferido, é o que me coloca para dormir.

Não é assim tão rapidinho que isso acontece, eles são torturadores; além de fazerem milhares de perguntas, ao passo que você congela na sala de cirurgia, ainda querem ficar monitorando suas reações. Bloco de gelo reage? Acho que meu organismo seria mais espontâneo dormindo.

Vou dando uma forcinha. Podia ser que eles pensassem que eu gostaria de estar consciente em todas as fases do processo. Mas prefiro não participar e de quebra registro que confio inteiramente em vocês... Vão fundo!

- Doutor, não está na hora da anestesia? Oh, pode caprichar viu? Sou durona na queda!

Em uma das cirurgias, no momento em que se aproximava do “ponto máximo”, me colocaram uma máscara, tipo de inalação. Mandaram eu ir falando e respirando normalmente. Como faz para ficar “normal” nessas horas? Eu fico bem falante, fazendo gracinhas e respirando freneticamente por tudo que é buraco para ver se entro logo no clima do “bonde zen”... hhuuummmm...

Finalmente relaxo. Deve ser uma das poucas oportunidades que faço isso. Queria que filmassem para deixar para posteridade.

Na microcirurgia de colocação do cateter, o doutor principal disse que eu, sobre o efeito da anestesia, não parava de perguntar se eu poderia subir escada quando chegasse em casa. Foram dezenas de vezes. A equipe não se aguentava e ria a cada indagação. 

A preocupação vinha da recente cirurgia (histerectomia) em que a doutora me deixou a cisma de ter que acampar no andar de baixo da casa enquanto me recuperava. Claro que desobedeci! Subi em slow motion e no andar de cima fiquei ilhada a “la Rapunzel” (só que sem cabelo) por algum tempo. A sorte que meu príncipe pode usar as escadas.

Só o que eu queria era que o doutor me tranquilizasse. Mas a resposta não se fixava em minha mente. A cada chance uma nova perguntinha nada original para eles.
Fui para a sala de recuperação. Recupero-me instantaneamente e logo vêm todas as preocupações de antes da “viagem”. A principal delas era a escada da minha casa e alguém iria ter que exterminá-la.

As enfermeiras passavam de um lado para o outro e me desprezavam.

- Moça! Moça! – eu falava em tom quase desesperador.

E nada... 

São vários pacientes na sala... mas eu, impaciente.

Uns conseguem chamar mais atenção que eu, vomitando ou colocando o coração para bater devagar (como eles conseguem?)... todos correm para esses aí e nem ligam para os que apenas gritam: Moça!

Tento ser mais enfática, vou aumentando o tom, balanço os braços e nada. Tento diminuir os batimentos cardíacos, enfio o dedo na goela, sem sucesso. Respiro fundo e grito com vontade:

-Enfermeira!

Uma delas me olha de longe... resta uma esperança. Tenho uma questão crucial.  Vida ou morte!

- Moça, tenho uma perguntinha muito importante para o doutor... Posso subir escada quando chegar em casa?

Ela não dá muita importância e nunca voltou com a resposta.

Vou para o quarto ainda com essa dúvida cruel. Será segredo de Estado?

Toca o celular do meu marido, é o doutor e antes do “alô” vai logo dizendo: “Ela pode subir escadas!”. Meu marido ri e não entende nada. Eu fico aliviada, finalmente tinha a resposta tão aguardada.
   

8 comentários:

  1. depois desse post vou reconsiderar o que eu pensava sobre a anestesia...acredita que tenho medo? sei lá porquê...é um medo infundado, na verdade rsrs

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    1. E euzinha então? Toda engajada na idéia de parto normal, mas, no fundo mesmo, era medo da anestesia... Na sala de parto, comecei a chorar e tremer, então o anestesista me perguntou se eu estava bem; disse que era medo da anestesia, então o abracei e comecei a chorar mais ainda, enquanto todo mundo (quanta gente numa sala de parto normal!) ria.

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    2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Mas como ter medo de uma coisa que nem vamos "estar lá"...
    quando vc tiver chance, "viaje" amiga... rsrsr

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  3. Kkkkkkkkkkkkk é assim mesmo tetela! Descreveu um centro cirurgico e um Cro de maneira bem fidedigna!!!

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  4. kkkkk,nunca li relato tão verdadeiro de um centro cirúrgico.kkkkk!

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    1. rsrsrs
      é isso que dá eles não me colocarem logo p dormir... rsrsr

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